O Todo e a Ordem Implícita
- Cesar Santaella
- 5 de jan.
- 3 min de leitura
Atualizado: 17 de jan.
A noção de que todos esses fragmentos são separadamente existentes é evidentemente uma ilusão, e essa ilusão não pode fazer outra coisa senão levar a conflitos e confusões sem fim. De fato, a tentativa de viver de acordo com a noção de que os fragmentos são realmente separados é, em essência, o que levou à crescente série de crises extremamente urgentes que nos confrontam hoje. Assim, como agora é bem conhecido, esse modo de vida trouxe poluição, destruição do equilíbrio da natureza, superpopulação, desordem econômica e política mundial e a criação de um ambiente geral que não é nem física nem mentalmente saudável para a maioria das pessoas que vivem nele. Individualmente, desenvolveu-se um sentimento generalizado de desamparo e desespero, diante do que parece ser uma massa avassaladora de forças sociais díspares, indo além do controle e até mesmo da compreensão dos seres humanos que estão presos a ela. (David Bohm, Wholeness and the Implicit Order, 1980)
David Bohm (1917–1992) foi considerado um dos pensadores mais influentes do século XX. Físico teórico, suas ideias ousadas desafiaram a interpretação convencional da mecânica quântica, e sua influência se estendeu muito além do campo da ciência. Bohm se dedicou ao estudo da mente e da consciência, e manteve estreitas relações com o filósofo indiano Jiddu Krishnamurti, além de, mais tarde, estabelecer uma conexão profunda com o Dalai Lama, que o considerava seu “guru da ciência”. Questionando a limitação da dualidade cartesiana, ele acreditava que os mesmos princípios que regem o comportamento da matéria também se aplicam à consciência, à sociedade e à cultura. Em um nível profundo, ele defendia que a realidade é um “todo indissociável”, e fez dessa visão a base de seu trabalho em diversas áreas.
No início de sua carreira científica, Bohm colaborou com figuras como Robert Oppenheimer, Albert Einstein, John Wheeler e Richard Feynman, em instituições como a Universidade da Califórnia, em Berkeley, e a Universidade de Princeton, onde fez contribuições significativas para as teorias da mecânica quântica e do plasma. Contudo, ele passou a acreditar que a Interpretação de Copenhague da mecânica quântica era insuficiente e, incentivado por Einstein, iniciou o desenvolvimento de uma “teoria alternativa de variáveis ocultas”, a qual ele apresentou em um artigo de 1952, quando era professor titular no Instituto de Física da Universidade de São Paulo. Nesse trabalho, Bohm sugeriu que a aparente indeterminação dos fenômenos quânticos poderia ser explicada por fatores operando causalmente em um nível não observável, um conceito que mais tarde ficou conhecido como a “ordem implícita” da realidade.
Após deixar o Brasil, Bohm continuou a desenvolver suas teorias, passando brevemente por Israel e estabelecendo-se no Reino Unido. Em 1980, publicou sua obra fundamental Wholeness and the Implicate Order, na qual propôs que todos os fenômenos no mundo – sejam partículas elementares ou pensamentos na mente – emergem de uma ordem mais profunda da realidade, com seu caráter variando conforme o contexto. Nos seus últimos anos, trabalhou com seu colega Basil Hiley, no Birkbeck College de Londres, para desenvolver uma base matemática para suas teorias. O trabalho conjunto deles, The Undivided Universe, foi publicado postumamente em 1993.
Além de suas contribuições teóricas, Bohm fez importantes avanços na física, como no estudo dos vetores quânticos, em colaboração com um de seus alunos, resultando no Efeito Aharonov–Bohm, que muitos consideraram digno de um Prêmio Nobel. No entanto, sua reformulação da teoria quântica, que desafiava a explicação consagrada de Copenhague, não foi amplamente aceita pela comunidade científica na época. Recentemente, contudo, tem havido um renovado interesse por suas ideias, especialmente com o surgimento de novas evidências experimentais que sustentam a teoria de uma totalidade fundamentalmente unificada, que se apresenta aos nossos sentidos de forma fragmentada, como um holograma. A continuidade desses estudos pode, no futuro, trazer as teorias de Bohm de volta ao "mainstream" da física moderna.
"A teoria quântica, como é agora constituída, nos apresenta um desafio muito grande, se estivermos interessados em tal empreendimento, pois na física quântica não há nenhuma noção consistente sobre o que a realidade pode ser que subjaz à constituição e estrutura universal da matéria. Assim, se tentarmos usar a visão de mundo predominante baseada nas noções de partículas, descobrimos que as "partículas" (como por exemplo os elétrons) também podem se manifestar como ondas, que elas se movem descontinuamente, que não há leis que se apliquem em detalhes aos movimentos reais de partículas individuais e que apenas previsões estatísticas podem ser feitas sobre grandes agregados de tais partículas. Se, por outro lado, aplicarmos a visão na qual o mundo é considerado um campo contínuo, descobriremos que esse campo também deve ser descontínuo, semelhante à física materialista das partículas, e que ele é tão sutil em seu comportamento real quanto necessário para a visão de partícula individual em sua relação com o todo. ( David Bohm , Sobre a Teoria Quântica, a Totalidade e a Ordem Implícita, 1980)
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